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“Temos médicos de elevado nível profissional e universidades e internatos de excelência”
O Professor Paulo Filipe, Presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia, deu uma entrevista ao SaúdeOnline no âmbito do 22.º Congresso Nacional de Dermatologia e Venereologia, que decorre entre 24 e 26 de novembro, no Edifício Egas Moniz – Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Além de abordar temas do evento, faz um balanço do que se passa com a especialidade no Serviço Nacional de Saúde. O Presidente da SPDV é também diretor do Serviço de Dermatologia do Hospital de Santa Maria (Lisboa) e professor da Universidade de Lisboa.







Quais são as expectativas para este Congresso?

        As nossas expectativas para o Congresso vão no sentido de oferecer um programa útil aos sócios da SPDV: com conteúdo científico apelativo e abrangente, que não se limite a questões meramente técnicas, mas com uma abrangência temática diversificada. Estamos conscientes da realidade atual em termos de mobilidade e de acesso à informação. As pessoas deslocam-se rapidamente e cada vez em maior número a reuniões e congressos internacionais com uma dimensão muito maior do que seria possível em Portugal. E acedem a essa informação não apenas em casa, mas em qualquer local onde se encontrem através dos dispositivos móveis. A informação digital é facilmente partilhada e acedida.
        Ora é difícil, ou mesmo impossível, competir com isso. Mas estamos conscientes de que o nível profissional dos nossos dermatologistas e a qualidade dos internatos portugueses estão a par ou até acima do que se pratica nesses países. A divulgação desse trabalho e da prática clínica dessas pessoas é enriquecedora para todos. Bem como a troca de experiências e o intercâmbio pessoal a vários níveis. É o que nos leva a investir nestes congressos internos. Relembro que também recebemos colegas dos países africanos de língua oficial portuguesa, motivo de regozijo para nós. Este ano teremos igualmente a reunião conjunta com a AEDV [Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia], que se destina fundamentalmente a manter e estreitar laços de cooperação e amizade. É importante para a especialidade que os pares se conheçam.

Vão dar destaque às alterações climáticas. Vão focar-se em problemas dermatológicos que podem surgir por causa da poluição, por exemplo, ou vão abordar o tema no geral?
        Essa palestra estará a cargo de uma personalidade de grande prestígio na área das alterações climáticas: o Prof. Viriato Soromenho Marques. Quem conheça o percurso académico e cívico do nosso palestrante convidado terá certamente grande curiosidade em ouvir o que tem para nos dizer. Creio que irá além do efeito da poluição na pele, como não pode deixar de ser.

Relativamente à legis artis e à responsabilidade médica, quais são os principais desafios hoje em dia, tendo em conta a evolução constante na Medicina?
        Os principais desafios no que diz respeito à legis artis e responsabilidade médica estão relacionados com a rápida evolução da Medicina. À medida que surgem novas técnicas e tratamentos, os médicos têm de se manter atualizados para fornecer cuidados de elevada qualidade. A ética médica e a responsabilidade profissional são cruciais neste cenário em constante mutação.

Nos últimos tempos, quais são as principais novidades nos diferentes campos da Dermatovenereologia?
        Nos últimos tempos, temos assistido a avanços importantes na nossa especialidade, desde terapêuticas inovadoras para doenças dermatológicas, até à utilização de tecnologias avançadas. Estas surgem no âmbito do diagnóstico e terapêutica, mas também na organização dos sistemas de saúde e na relação do médico com o doente. Refiro-me, por exemplo, às terapêuticas biológicas de que teremos vários simpósios neste congresso. Ou às novas técnicas de imagem não invasivas de que falará a professora Elisa Cinotti, uma dermatologista italiana especializada no tema. Mas também os novos lasers tão importantes na vertente terapêutica e estética da especialidade. Para não falar da inteligência artificial aplicada à Dermatologia e que foi abordada na última reunião da SPDV.

Nesta especialidade, Portugal está em pé de igualdade com os restantes países, nomeadamente com Espanha?
        Sem dúvida que sim! Tal como referi anteriormente, temos médicos de elevado nível profissional, universidades e internatos de excelência e acesso às terapêuticas mais avançadas. Nas devidas proporções (Portugal é um país com menos população e limitações conhecidas), o nosso país consegue oferecer aos seus cidadãos cuidados de saúde que são referência internacional.

Vão ter uma sessão conjunta com a AEDV. Que projetos existem ou poderão vir a concretizar-se entre a SPDV e a AEDV?
        Esta sessão conjunta também existe no congresso espanhol de Dermatologia. Tal como existe um protocolo entre as duas academias (SPDV e AEDV) para que os respetivos sócios sejam tratados de igual forma no que concerne ao preço da inscrição nos congressos vizinhos. Isso levou muitos dos nossos sócios a Espanha, para assistirem ao congresso espanhol. É uma forma de intercâmbio científico e social que contribui para o conhecimento mútuo e o relacionamento amistoso entre pares de origens diferentes. Muitos dos nossos internos fazem estágios no país vizinho. Sendo o único, é proveitoso que as relações entre ambos sejam cordiais. Tudo faremos para tal.

Olhando para a Dermatovenereologia no geral, que avaliação faz no que diz respeito ao acesso a cuidados nesta área no SNS?
        O acesso depende da referenciação feita pelos médicos de família. Não há marcações diretas em consultas de especialidade. Atualmente, essa referenciação vem acompanhada de fotografias clínicas e não apenas de texto como acontecia no passado. É um avanço para se perceber a prioridade dos casos. A minha avaliação global é positiva. Procuramos dar resposta atempada aos casos prioritários. Claro que havendo um aumento exponencial da procura, e sendo a Dermatologia uma especialidade com numerosas referenciações por patologia benigna (direi até a maioria), é impossível atender todos num curto espaço de tempo, o que gera as inevitáveis listas de espera. Para um SNS com pouco mais de 40 anos, muito tem sido feito e com bons resultados. A maioria da população nunca tinha ouvido falar de um dermatologista nessa época...hoje em dia não podem viver sem ele. Os dermatologistas estiveram sempre na linha da frente desse sucesso.

Nos últimos tempos têm saído muitos médicos do SNS. Na Dermatologia já havia poucos recursos no setor público. A situação piorou?
        Sim. A saída de médicos do SNS é sempre prejudicial à população. Os médicos fazem falta, porque a saúde é um bem essencial.

Os internos de formação específica têm sido afetados por causa da escassez de dermatologistas no público?
        Naturalmente que sim. Os internatos médicos precisam de especialistas com experiência para transmitirem esse saber e essa experiência aos mais novos. Não se aprende Medicina nem nenhuma especialidade com base unicamente nos livros.

O que se pode fazer para reverter esta situação?
        Os recursos do SNS devem ser geridos de forma razoável e com o bom senso necessário para cumprir a Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito ao direito ao acesso universal aos cuidados de saúde. Por exemplo, houve necessidade de realização de consultas e cirurgias adicionais fora dos horários laborais, para se conseguir dar resposta atempada aos problemas. Temos de analisar as causas que levaram ao êxodo dos dermatologistas do SNS. Certamente, uma das mais importantes foi a diferença salarial face ao que se pratica no setor privado. Ao haver mais oferta de emprego nos hospitais privados, com melhores salários, as pessoas optam por essa modalidade.
        Outro fator tem a ver com as carreiras médicas e a satisfação no trabalho. A sobrecarga horária e assistencial condiciona a formação médica contínua e a atualização dos médicos, limitando o tempo de descanso, de estudo, a vida pessoal, a atividade científica e a marcação de férias. Esta é a realidade de muitos médicos que continuam a dedicar-se ao SNS em Portugal que, ao invés de recompensados, sentem-se penalizados. O controlo rígido dos horários numa atividade como a nossa, em que os tempos de consulta ou a necessidade de acorrer a situações urgentes são imprevisíveis, também contribui para o descontentamento das pessoas que procuram no setor privado outro tipo de gestão, mais virada para a produtividade do que para o controlo horário.
        Ao mesmo tempo assistimos a uma sobrecarga burocrática crescente em que os dermatologistas são obrigados a preencher impressos relacionados com tarefas que nada têm a ver com a sua especialidade. Estou a referir-me, por exemplo, aos pedidos de transporte para os utentes que se deslocam às consultas (uma tarefa que devia caber ao Serviço Social...), os atestados de incapacidade, que anteriormente eram assegurados pelas juntas médicas, etc. Desejamos que a inovação tecnológica funcione como aliada do nosso dia a dia, não como mais uma sobrecarga de milhares de cliques por consulta ou ato médico... O mesmo em relação a novos equipamentos que possam melhorar a qualidade dos cuidados prestados. Por fim, sugerimos desburocratizar as contratações de novos especialistas em tempo útil.

Quanto ao futuro, o que podemos esperar da Dermatovenereologia?
        Uma especialidade em expansão, com uma procura cada vez maior e mais armas terapêuticas para muitos problemas. Nesse lote cabem as antigas patologias para as quais não havia solução como as doenças imunomediadas, mas também questões estéticas e o próprio envelhecimento cutâneo. Na verdade, coube-nos em sorte um tempo desafiante e recompensador. Também temos curiosidade em perceber até que ponto a inteligência artificial pode ser nossa aliada.

MJG

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